sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Não poderia deixar de comentar...

Há, definitivamente, coisas no nosso país que ainda me conseguem deixar perplexa e que não cessam de me surpreender. Como tal, não poderia deixar de comentá-las, ainda que só agora tenha tido a oportunidade para o fazer.
Acredito piamente que o nível de desenvolvimento de um país se meça no triangular de três pilares basilares de uma qualquer sociedade: a sua política de educação, a justiça que impera e o serviço de saúde que presta aos cidadãos. Nós, por cá, não podíamos estar muito pior do que estamos no presente em relação a estas 3 dimensões. Passo a explicar porque ajuízo a coisa desta maneira:
1º Entrei na universidade na década de 90, uma época em que apenas uma parte dos candidatos chegava ao ensino superior público, em que as vagas eram q.b. e as médias de ingresso também. Integrei o ano experimental dos exames nacionais, um ano polémico, de muitas mudanças no sistema educativo e catastrófico para os alunos do 12ºano. Catastrófico por que motivo? Porque para além de ser um ano experimental de exames, em que os alunos passaram a ter 5 exames nacionais de carácter obrigatório, as informações que emanavam do ME eram parcas e muito pouco esclarecedoras; foi um ano em que os professores deitavam as mãos à cabeça com o pavor de não ter preparado suficientemente os seus alunos para abraçar o desafio que outrora se colocara, um desafio virgem e totalmente desconhecido. Para além deste factor, acrescidas aos exames tínhamos ainda tivemos de realizar provas globais a todas as disciplinas que não eram abarcadas pelos exames nacionais. Resumindo, no período de um mês tive de realizar 5 exames nacionais obrigatórios, 3 exames nacionais auto-propostos, para os quais me preparei sozinha pois não eram disciplinas que fossem contempladas no meu currículo e 2 delas eram as minhas provas específicas de ingresso no ensino superior, mais 6 provas globais. No final de tudo isto estava um caco e só me recompus quando saíram os resultados que mais tarde me permitiram ingressar no curso que queria no ensino superior público, que era o objectivo central, e porque não, o sonho de toda uma existência.
A minha turma era composta por 28 alunos e apenas 3 de nós entramos na 1ª fase no ensino superior público. Mais tarde entrariam mais 6 no ensino privado, uma possibilidade que jamais admitiria para mim, pois tenho uma posição muito radical face à qualidade e credibilidade dessas instituições. Quem não tem qualidade para um ingressar num curso superior deve procurar outro percurso, é esta a minha opinião, epsis verbis.
Por me recordar que o panorama geral da minha época era que apenas 40% dos candidatos entrariam, foi com uma enorme estupefação que na 2ª-feira passada recebi a notícia de que 9 em cada 10 alunos entraram no ensino superior público! Mas o que é isto afinal? Onde está a separação do trigo do joio? Qualquer dia destes a entrada no ensino superior tratar-se-á de uma mera passagem formal, como acontece do 9º para o 12º ano. É isto que queremos para o nosso país? Milhares e milhares de licenciados e mestres bolonheses sem emprego? Direito, que manda milhares para o desemprego todos os anos, aumentou o número de vagas? E quem diz direito diz comunicação social, gestão, economia, etc, etc, etc? O que anda esta gente toda a fazer? O que vão fazer daqui a 5 anos? Eu compreendo que os pais e os estudantes se congratulem com estas medidas, mas reflectindo mais profundamente, é fácil perceber-se que estas medidas abrirão cancros de difícil cura: mais oferta de mão-de-obra implicará desfasamento entre os postos de trabalho existentes e o número de diplomados; implicará, de igual modo, salários mais baixos (por isso a Ordem dos Médicos não autoriza o alargamento das vagas em Medicina, mostra que são espertos e defendem a sua classe); já para não falar que haverá, naturalmente, desprestigio social, ainda que esse seja um mal menor no meu entender. E enquanto isso, o governo esfrega as mãos de contente, porque os jovens andam por ali entretidos e não engrossam as estatísticas do desemprego, o número de diplomados ajuda a limpar a cara do país e Portugal passa a estar na 1º fileira da Europa (ainda que os bolonheses não saibam nadinha, que aquilo é um autêntico circo, insultuoso até para quem passou e penou por uma licenciatura a sério); os pais empenham-se até às orelhas porque querem ter um filho dr.; as propinas engordam a máquina do estado e sustentam o desgoverno que existe nas instituições de ensino superior país fora e que é sobejamente conhecido.
Ainda esta semana um aluno meu do 10º me disse que queria ser professor universitário. Resta dizer que o aluno em causa SÓ tem 21 anos e SÓ chumbou 6 vezes. Outrora esta pretensão seria quase anedótica, pois um aluno com este currículo dificilmente teria calibre para tal. Presentemente, tudo é possível. Há quem compre o curso em Portugal, logo, não há limites para nada.
2º Alguém me pode explicar porque motivo condenados por crimes hediondos de atentado contra a integridade física, moral e psicológica de jovens e crianças em risco, frágeis e desprotegidas, que jamais apagaram das suas memórias as violências vividas, continuam diariamente a dar entrevistas em canais de televisão e a fazer a sua vidinha normal, como todo o cidadão comum? Se foram dados como culpados, não deveriam estar em prisão preventiva ou domiciliária? Mas não, por cá um ladrão que até roubou para matar a fome aos filhos, que não violentou ninguém fisicamente nem transmuteou a vida de alguém profundamente (porque uma coisa é atentar contra os bens materiais e outra é atentar contra a dignidade e a vida humana) vai para o chelindró (e muito bem que tem de pagar pelos seus crimes), os ricos e poderosos andam por aí como se nada fosse, insultam sistematicamente a inteligência da opinião publica e não se passa nada? Quem sabe não continuam a praticar os mesmos crimes? Em Portugal a justiça é passível de ser comprada, não é igual para todos, só é feita ocasionalmente e sempre com os elos mais fracos de quem a mesma se serve para dar a ilusão de que, efectivamente, se faz alguma coisa. E não falo dos advogados e dos juízes, esses são meros peões.
3º Não é só a justiça que pode ser comprada em Portugal. A saúde também se pode purchase. Esta semana fui a 2 médicos, comprei 6 medicamentos, gastei cerca de 250 euros para tratar uma mera...tosse. Admite-se uma coisa destas? É verdade, não foi nada de grave, mas terrivelmente incomodativo, e gastei mais do que meio ordenado minímo nacional. E agora digam-me uma coisa: e quem ganha 400 e tal euros por mês, como faz? Não devíamos ter um serviço nacional de saúde que nos permitisse a todos a mesma qualidade e os mesmos direitos? E os médicos? Em cada 10, encontro um competente. Um dos que fui esta semana até era professor doutor, esperei 2 meses pela consulta e em 2 minutos apanhou-me 85 euros de consulta, disse-me que era asmática (não sou), tudo isto sem sequer me tocar. Mandou-me embora com um medicamento caríssimo e sem qualquer explicação...no particular, vejam só. E ainda sentiu pena de mim por ser professora, que "dificilmente têm colocação", logo eu que não gosto nada que façam de mim coitadinha. Saí de lá parecia uma panela de pressão. Já para não falar no ar de "sou o máximo" com o qual muitos deles se apresentam. Estou fartinha deles...
concluindo: é assustador! O que vai ser dos nossos filhos num país assim? Vão ter que se mandar mundo fora, essa é que é essa.
Já carpi tudinho, estou bem melhor.

2 comentários:

mãe pimpolha disse...

Bem, tendo tirado o meu curso numa privada e considerando-me uma boa enfermeira, não posso concordar com tudo o que dizes, como é óbvio.

IsabelCunha disse...

Tb não concordo com tudo o que dizes. Tirei o meu curso numa universidade pública, mas nem por isso acho que tens razão.
Quanto à justiça tb estou indignada com o facto desses condenados anadarem cá fora como se nada fosse... brrrrrr
Relativamente aos médicos... bem concordo, mas é mesmo por essa razão que vamos sempre ao serviço nacional de saúde e sempre fomos muito bem tratados, mas tb temos a sorte de o nosso médico de família ser impecável!... no privado, só mesmo o dentista!
bjs