quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Os rostos por detrás dos números

Presentemente, basta ligar a televisão para conhecer os número de desempregados em Portugal. Parece que a cada dia vão aumentado e com esta presença habitual vamos ficando cada vez mais indiferentes a esta realidade, pois já faz parte da nossa rotina ouvir falar deste flagelo. Mas todos os dias chegam à minha sala de aula os rostos por detrás dos números. Em comum têm o desespero de desconhecer, mais do que todos os outros, o que lhes reserva o futuro, numa angustia crescente de não saber o que vai ser das suas vidas, agora que perderam o sustento.
As suas histórias são heterogéneas, mas contêm muitos denominadores comuns: baixa escolaridade, começaram a trabalhar cedo, meios sociais pouco favoráveis, etc, etc, etc. O temor é, porém, equivalente, uns porque têm 50 anos e mais e não sabem o que fazer, estão desesperados, outros, mais jovens, temem pelos filhos, pelos lares, pelos casamentos...é tão dilacerante, sinto-me tão impotente.
Recentemente, pedi-lhes um trabalho em que me contassem resumidamente o seu percurso biográfico. Não estava, confesso, à espera de ler tantas tragédias pessoais. Há histórias que não me deixam indiferente...comovo-me a cada palavras, imagino uma realidade que, felizmente, sempre me foi alheia e...não consigo conter as lágrimas. Apetece-me dar-lhes o meu colo e dizer-lhes que vai ficar tudo bem, que tenham fé e força, que amanhã será outro dia. Peço ainda ao meu bom senso que não me envolva demasiado...como se isso fosse possível.
Cada um, como todos nós de resto, tem a sua carga, umas mais leves, outras mais pesadas, mas houve uma que me tocou em particular. 29 anos e tanta dor. Escreveu: "Vivo o dia a dia, um dia de cada vez. Não tenho sonhos, alegrias, não tenho nada...apenas força para ser alguém na vida, porque esse era o sonho da minha falecida mãe para mim: ser alguém na vida". Como posso ficar indiferente?
E que Deus nos proteja a todos que estamos nas mãos desta quadrilha que a cada dia nos vai matando, célula a célula, uma de cada vez. Esses deviam conhecer estes rostos e que a consciência os aprisionasse para que sentissem a sua dor. Bandalhos!

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